Enzo Reis Aceti[1]
“Cidades-esponja” são um conceito de desenvolvimento urbano que busca melhorar a eficiência da absorção da água, transformando as cidades em uma “esponja”.
Essa ideia contemporânea surgiu no Japão com o foco em minimizar inundações, recarregar lençóis freáticos, melhorar a qualidade da água e criar ambientes urbanos mais agradáveis de se viver.
Hoje, o país líder nesse assunto é a China, que depois das grandes inundações que sofreu no ano de 2010, começou a investir fortemente na implementação nas cidades desse recurso urbanístico, e já possui mais de 10 que estão totalmente capacitadas à possíveis grandes chuvas.
O conceito de “cidades-esponja” vem do que já se utiliza há muito tempo na agricultura conhecida como “curvas de nível[2]” e “cacimbas[3]”
A implantação de uma infraestrutura de “cidade-esponja” de forma acertada para a recepção da umidade não é tarefa simples, e depende de muito investimento para a criação de parques, praças, “calçadas verdes”, jardins de chuva[4], “telhados verdes”, hortas urbanas e “wetlands”[5] e a manutenção das margens dos rios, com a retirada de concreto e a implementação de mata ciliar ou espaços verdes.
Outra forma de implementação das “cidades-esponja” é o aumento do uso de materiais permeáveis, como o concreto permeável ou concreto poroso[6].
Algumas cidades que são exemplos de como as “cidades-esponja” podem ser implementadas com sucesso para criar ambientes urbanos mais sustentáveis e resilientes são Jinhua e Xangai, na China; Nova York, nos Estados Unidos da América; Berlim, na Alemanha; e Curitiba, no Estado do Paraná.
Segundo um estudo feito pela equipe de gestão de biodiversidade e parques municipais[7], a cidade de São Paulo possui uma porcentagem de 54% (cinquenta e quatro por cento) de área verde, distribuída principalmente na zona sul da cidade. Essas áreas desempenham um papel crucial na regulação do clima da metrópole, mas se deve lembrar que a cidade possui uma disposição desigual dessas áreas verdes, tornando certos bairros mais suscetíveis a possíveis enchentes.
A legislação brasileira, na questão ambiental, é uma das mais rigorosas do mundo e já na Constituição Federal de 1988, no artigo 225, ela deixa muito bem escrito que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” E, deixa claro em seus incisos que é dever do Poder Público e à coletividade a preservação do meio-ambiente para as presentes e futuras gerações.
Outras leis que trazem vantagens e recursos para a implementação das “cidades-esponja” são:
- Política Nacional de Defesa Civil[8];
- Política Nacional de Recursos Hídricos[9]; e
- Marco Legal do Saneamento Básico[10].
A Política Nacional de Recursos Hídricos traz recursos muito importantes para a facilitação da implementação de métodos que promovem a gestão integrada dos recursos hídricos, como os Planos de Recursos Hídricos, o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, a Compensação a municípios e outras.
Também oferece uma estrutura robusta que pode auxiliar os municípios na implementação das “cidades-esponja”.
Ao promover a gestão integrada, a participação social, a elaboração de planos específicos, o financiamento de projetos e a educação ambiental, a “PNRH” cria um ambiente favorável para o desenvolvimento de soluções sustentáveis que beneficiam tanto a população quanto o meio ambiente, e com o auxílio dos mecanismos da Política Nacional de Defesa Civil, torna-se mais atingível a criação de ambientes urbanos mais resistentes às mudanças climáticas, reduzindo o risco de inundações e promovendo a sustentabilidade.
Embora não existam tratados internacionais específicos para “cidades-esponja”, várias convenções e acordos abordam a gestão sustentável da água e a resiliência urbana:
Convenção de Ramsar[11]: Focada na conservação e uso sustentável das zonas úmidas, que são essenciais para a gestão da água.
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável[12]: Inclui objetivos relacionados à água limpa e saneamento (ODS 6) e cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11). Vide ODS 13 ações contra as mudanças globais do clima.
Acordo de Paris[13]: Embora focado nas mudanças climáticas, incentiva práticas que aumentam a sustentabilidade das cidades, incluindo a gestão da água.
Essas iniciativas internacionais estabelecem diretrizes que permitem aos Estados desenvolverem políticas públicas e projetos que integrem os princípios das “cidades-esponja”, fomentando um urbanismo pautado na sustentabilidade e na resiliência.
Para que um município possa exigir alterações nos imóveis para aumentar a permeabilidade do solo, ele deverá inserir no plano diretor da cidade o conceito de “cidade-esponja”. O Plano Diretor Municipal é uma lei que orienta o desenvolvimento urbano de uma cidade, estabelecendo regras e diretrizes para o uso do solo, organização das atividades e crescimento do município. O Plano Diretor Municipal tem como objetivo: (i) Melhorar a qualidade de vida da população; (ii) Reduzir desigualdades socioeconômicas; (iii) Tornar a cidade mais inclusiva, justa e ambientalmente equilibrada; (iv) Organizar as atividades urbanas e rurais; e (v) Considerar o meio ambiente, habitação, transporte e infraestrutura urbana.
O Código de Posturas Municipal, também conhecido como Posturas Municipais, é uma legislação que estabelece as normas de conduta para o convívio e para a realização de atividades no espaço urbano. O Código de Posturas Municipal aborda temas como: Higiene, Ordem pública, Funcionamento de estabelecimentos comerciais e industriais, Relações entre o poder público e os munícipes.
Acima de tudo, deve-se ressaltar que as “cidades-esponja” não são apenas uma ideia de desenvolvimento urbano “sem pé nem cabeça” que busca apenas o conforto ocular, mas sim, uma melhora em diversos aspectos do convívio urbano, trazendo benefícios sociais como a redução das enchentes, a redução do calor urbano e a melhora da água e ar, resultando numa melhora na saúde pública, e também existem benefícios econômicos que devem ser considerados, como uma melhora na economia de recursos, diminuindo a necessidade de infraestrutura cara para controle de enchentes e tratamento de água, a valorização imobiliária, atraindo investimentos e melhorando a economia local.
[1] Graduando em direito pela UNIFEOB. Estagiário da Aceti Advocacia www.aceti.com.br
[2] As curvas de nível são uma ferramenta importante para o planejamento de projetos de irrigação, pois ajudam a controlar a quantidade de água utilizada e a evitar desperdícios.
[3] As cacimbas são bacias de captação de enxurradas que permitem a infiltração da água acumulada, sendo uma forma natural de recarregar os lençóis d’água e manter nascentes.
[4] Tipo de jardim que, normalmente, possui um composto de areia em seu subsolo com o objetivo de aumentar a infiltração de água.
[5] Termo derivado do inglês que significa “áreas molhadas”, que são sistemas projetados para formarem lagoas ou canais rasos que abrigam plantas aquáticas, más também existem as “wetlands” naturais, como pântanos e manguezais.
[6] Concreto que possui em sua proporção um aumento de pedra e pouca ou nenhuma areia.
[7] Cidade de São Paulo tem mais de 50% de áreas verdes em seu território, indicam estudos – Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente – Prefeitura (capital.sp.gov.br)
[8] Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012, alterada pela lei nº 14.750, de 12 de dezembro de 2023.
[9] Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
[10] LEI Nº 14.026, DE 15 DE JULHO DE 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados.
[11] Vide: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/biodiversidade-e-biomas/biomas-e-ecossistemas/areas-umidas/a-convencao-de-ramsar-1
[12] Vide: https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustent%C3%A1vel
[13] O Acordo de Paris é um tratado global, adotado em dezembro de 2015 pelos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, acrônimo em inglês), durante a 21ª Conferência das Partes (COP21). Vide: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/acordo-de-paris-e-ndc/arquivos/pdf/acordo_paris.pdf