Ela não representa nem 1% da oferta de água no País. Mas, em Hidrolândia, a 36 quilômetros de Goiânia, projeto pioneiro de fertirrigação em indústria de laticínios traz benefício à pecuária e mostra que é possível aumentar essa número
O uso da água deverá crescer 24% até 2030, superando a marca de 2,5 milhões de litros por segundo, diz o Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil. O País, embora seja um dos mais ricos em água no mundo, acabou abusando dessa abundância e gerou a cultura do desperdício.
Enquanto isso, o reaproveitamento de água ainda não é uma prática relevante. Para se ter uma ideia, segundo o estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) “O Impacto Econômico dos Investimentos de Reúso de Efluentes Tratados para o Setor Industrial”, de 2018, menos de 1% da oferta de água no país provém de reúso de efluentes tratados. Enquanto isso, em Israel, país que convive com a escassez desde sua origem, 70% da oferta vem da reutilização de efluentes.
Estima-se que o reúso de água não potável seja de 2m³/s, uma vazão ínfima perto do total da água retirada no País, 2.083 m³/s segundo dados do estudo Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, de 2018. A meta proposta pelo governo federal é que o reúso não potável direto no Brasil alcance 13 m³/s até 2030. Em Goiás, um projeto de fertirrigação desenvolvido por indústria de laticínios traz um exemplo positivo que pode ser piloto para todo o setor. A Marajoara Laticínios está direcionando a água tratada de sua Estação de Tratamento de Resíduos (ETE) para um pasto de aproximadamente 14 hectares, vizinho à indústria.
O projeto piloto é uma iniciativa de sustentabilidade da indústria que, com a iniciativa, atinge a marca de aproveitar 100% de seus resíduos e desenvolverá um protótipo de eficiência para a pecuária, uma das principais âncoras da economia goiana. Goiás é o segundo maior produtor de gado, com 22,8 milhões de cabeças de gado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O nosso sistema de tratamento da água por flotação assegura uma eficiência superior a 90%, bem mais do que os 60% exigidos pela legislação ambiental. Até então, ela era lançada no Córrego Grimpas. Porém, com esse projeto de fertirrigação conseguiremos dar uma destinação mais sustentável para essa água, contribuindo com a pecuária”, diz o presidente do Grupo Marajoara, André Luiz André Luiz Rodrigues Junqueira.
Três bombas instaladas em tanques de água tratada que percorrerão quase um quilômetro em tubulações até chegar ao destino, onde será criado gado de corte. Em média, serão jorradas no local 75 mil m³ de água por hora. A cada 12 horas, serão um milhão de litros de água de reuso reaproveitados. O sistema será composto por cerca 600 aspersores, sendo que cada um irá lançar água a uma distância máxima de um raio de 11 metros. Isso faz com que cada gota de água seja muito bem aproveitada, evitando o desperdício.
O pasto será dividido em piquetes para se fazer o manejo rotativo e a expectativa é que a produtividade aumente em cinco vezes. “Através deste sistema, independentemente do período do ano, se de seca ou não, você terá pasto verde e abundante para gado”, explica o zootecnista da Marajoara, Diego Dantas Colnago.
Ele cita outra vantagem: por meio do sistema instalado, é possível fazer a suplementação para o pasto diluindo-o nos próprios tanques da ETE, facilitando o processo. “Com água e nutrientes necessários, o pasto ficará mais saudável, refletindo no ganho de peso do gado”, explica. O zootecnista lembra ainda que além da pastagem, o sistema de fertirrigação por meio de reuso de água pode ser perfeitamente usado em outros cultivos, como milho, sorgo e soja.
Da concepção do projeto até o início das obras para sua instalação, no fim de janeiro, foram necessários seis meses de estudos técnicos no solo da área e outros quase cinco meses para aprovação junto da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
De acordo com a bióloga Daniela Souza Silva, diretora da Ecovel, empresa que assessora ambientalmente a Marajoara, o projeto também, a médio prazo, servirá como um importante mecanismo de recarga dos aquíferos locais ou lençóis freáticos. “Com esse sistema de fertirrigação, parte da água é absorvida pela planta, no caso o capim do pasto, parte é evaporada e uma parte significativa vai para o lençol freático”, explica a consultora.
O projeto de Fertirrigação é uma continuidade de um outro projeto de sustentabilidade da empresa, que é desenvolvido há pouco mais de dois anos a partir ETE da Indústria: é o uso da biomassa extraída dos efluentes e que vira fertilizante para pequenas propriedades rurais na cidade. Rica em nutrientes, é jogada no pasto e também contribui para a eficiência da criação de gado.